“Our lives begin to end the day we become silent about things that matter". (“Nossas vidas começam a terminar no dia em que permanecemos em silêncio sobre as coisas que importam”) - Martin Luther King Junior
Um grande hiato separa as palavras contidas numa sentença da concretude, já que a decisão judicial, em boa parte das vezes, está bastante atrelada ao mundo das ideias, por isso dependendo da consecução de atos externos para transpor seus efeitos para o plano palpável. Essa distância, todavia, não pode subsistir, pois a entrega da prestação jurisdicional deve ser efetiva, ou seja, deve alterar a relação tratada nos autos do processo, sob pena de se fazer a própria Lei Maior letra morta. É justamente no afã de se romper essa dicotomia que surge a figura do Oficial de Justiça, diretamente imbricado com medidas processuais penais, a exemplo do afastamento do lar em casos de violência doméstica, e com a fase de execução cível. Acerca desta última, ressalta-se que pode advir não só de sentença condenatória não cumprida voluntariamente, mas também de um título executivo extrajudicial. Nesses dois caminhos, a figura do Oficial de Justiça mostra-se curial. Isto porque, no cumprimento de ordem judicial, encarna a mão forte do Estado de Direito para satisfazer o credor, uma vez que os tempos da autotutela se foram há muito. Longe ou perto, sob sol ou chuva, é o Oficial de Justiça o profissional que faz chegar aos locais desassistidos de correspondência e internet as decisões judiciais. Das comunidades quilombolas de São Francisco do Guaporé ao povo ribeirinho do Baixo Madeira, lá está esse servidor a cumprir seu mister, não raro fazendo uso de recursos próprios, a exemplo de combustível. O Judiciário exige, mas não raro faz vistas grossas às condições de trabalho impostas a esses servidores. Em Porto Velho, a maior comarca do Brasil em termos de território, singram os oficiais pela perigosa BR-364 até a fronteira com o Acre, mais de 350 km de distância, isto sem ganharem diária; em outras palavras, a inexorável pernoite em hotel corre por conta do oficial. A lei demanda a presença de dois oficiais de justiça em certas diligências, mas as diretrizes judiciais não contemplam o pagamento para ambos. “Distorções patentes na tabela de produtividade? Deixe que se virem”, diria um sujeito de alma pequena. Cursos de atualização na seara jurídica? Há muito não são ministrados, datando os últimos de 2017. A grade de cursos de 2019 da EMERON foi publicada, mas os analistas em comento foram esquecidos mais uma vez, em que pese pedidos administrativos para que fossem contemplados, a exemplo do SEI n. 0005423-81.2018.8.22.8000. Além do bacharelado em Direito, coragem é pré-requisito para o cargo. Além de a solidão ser parte intrínseca da maioria das diligências, não raro o “longa manus” do Judiciário se vê em situações de perigo, e desprovido de aparatos mínimos de segurança. Porte funcional de arma de fogo? R: Não tem. Colete balístico em Rondônia? R: Só se for emprestado da Polícia. Nos últimos 03 anos, um grande número desses trabalhadores chegou à aposentadoria. Bom para eles, preocupante para os que permanecem na ativa, já que pouquíssimas vagas foram repostas, não obstante haver um concurso em vigor. Na atualidade, na larga maioria das comarcas, existe um nocivo descompasso entre a demanda dos cartórios e a capacidade de consecução dos mandados judiciais. O reflexo disso se dá sob duas perspectivas: a primeiro em relação ao adoecimento do servidor; a segunda referente a atrasos na execução das ordens judiciais. As enormes incertezas trazidas pela Quarta Revolução Industrial se avizinham, com a chegada de robôs cada vez mais complexos, inteligência artificial, biotecnologia, novos sistemas de armazenamento de energia, impressoras 3D etc. Mantêm-se, todavia, incólume a certeza de que o Oficial de Justiça permanecerá indispensável à Justiça, merecendo, destarte, mais respeito e consideração por parte dos Tribunais de Justiça.